Memória não é privilégio, é direito. Memória só é memória se não for ferramenta de opressão, de exclusão. Memória que se preze tem que ter como fim a construção da equidade. É isso ou não é memória.
Museu, antes de mais nada, é memória, mas muita coisa se oculta sob essa palavra aparentemente tão simples. Memória é o que lembramos, o que conseguimos e escolhemos lembrar... no entanto, e o que fica de fora? Aquilo que com o tempo esquecemos e parece já nada contar de nós, aquilo que, pelo incômodo que gera, é relegado ao esquecimento até parecer que sequer ocorreu, aquilo também que foi conscientemente apagado, riscado do mapa, e que muitas vezes nem sabemos quanta falta faz, o tamanho do vazio que deixa. Memória, portanto, não se define de maneira óbvia, não é palavra auto-explicativa, ainda mais quando se pensa em Diversidade Sexual.
Já determinavam as Ordenações Filipinas, o conjunto de leis que vigorou por mais tempo no Brasil, desde o começo do sXVII até, pelo menos, meados do sXIX: “Toda a pessoa, de qualquer qualidade que seja, que peccado de sodomia per qualquer maneira commetter, seja queimado, e feito per fogo em pó, para que nunca de seu corpo e sepultura possa haver memoria”. Apagamento como projeto que funda a colonização e que, mesmo pós Independência, não deixa de ser espinha dorsal da sociedade, ainda que não afete a todo mundo da mesma forma.
Tiradentes indiscutivelmente diz algo sobre a história brasileira, mas o que pensar de Felipa de Sousa, a primeira lésbica condenada pela Inquisição, na Salvador de 1592? O que dizer de Tibira, indígena que, nos primórdios de São Luís (1614), teve seu corpo despedaçado com um tiro de canhão por acusações de sodomia? E Xica Manicongo, primeira travesti de que temos notícia nesse território, pessoa escravizada denunciada à Inquisição em 1591 por vestir roupas que, em Angola e Congo, seriam consideradas femininas? Nomes que o projeto colonial não conseguiu apagar, nomes que simbolizam resistência, nomes que dizem: “sempre estivemos aqui”. O nosso desafio, enquanto Museu da Diversidade Sexual, é fazer com que tais nomes (e outros tão emblemáticos quanto) se tornem referência para o Brasil que queremos construir.
Memória diversa, portanto, e, com isso, marcadamente interseccional, para que a luta antiLGBTfobia não crie um país possível apenas para aqueles e aquelas de nós que mais se aproximem dos padrões. Memória que se restrinja às lembranças mais fáceis (essas de grupos próximos à norma) é cúmplice do projeto colonial, daí a importância de não nos acomodarmos nessa disputa de narrativas e de afirmarmos, por meio de cada ação nossa, o compromisso inegociável com as pautas antirracista, antissexista e anticapacitista.
Memória não é privilégio, é direito. Memória só é memória se não for ferramenta de opressão, de exclusão. Memória que se preze tem que ter como fim a construção da equidade. É isso ou não é memória.
Museu da Diversidade Sexual
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